Coll Halt Pas

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sábado, 22 de novembro de 2014

A mais bela distância


Imagina isto: imagina que gostas de correr e que te seria permitido participar numa distância de nove, treze, vinte e um ou até os quarenta e dois quilómetros e mais uns trocos e tivesses oportunidade de correr uma dessas distâncias, a maratona, por uma estrada serpenteante por entre as encostas, os altos e os fundos da mais bela paisagem de Portugal, a pouco mais de uma hora de casa, na província de onde és natural e onde vives; e pudesses correr na companhia de umas centenas de pessoas simpáticas, sábias, genuinamente alegres, companheiras, corteses e cheias de vida, ao lado de verdadeiros desportistas que não te vissem como um oponente ou adversário, mas um semelhante; e seguisses por uma estrada que te permitisse assistir à passagem dos atletas mais completos que algumas vez irias conhecer, homens e mulheres admiráveis, que correm a sorrir, que vencem desníveis e distâncias até difíceis de abarcar com a mente, quanto mais com o corpo; e atravessasses uma terra tão natural que chegasse a ser cruel de tão bela, saudado pelos seus habitantes de alegria contagiante, francos e hospitaleiros, novos e velhos, agradecendo-te o facto de teres vindo fazer essa corrida, sorrindo-te e dando-te a mão; e pudesses tu ouvir a vozearia em uníssono de oitocentas almas momentaneamente felizes na partida da vila que à chegada, vista do cimo, parece um presépio; e tivesses acesso às biografias resumidas dos teus camaradas de percurso, pessoas que não conheces de lado algum e que partilham comida, bebida, risos e lágrimas, dores e sucessos, histórias e aventuras com o desconhecido seguinte, tudo permitido pelas quase seis horas de conversas sobre tudo, entremeadas por largos momentos de reflexão e introspecção; e pudesses calcorrear parte de uma estrada com quase vinte séculos, por onde passaram homens, mulheres, Reis, rainhas, bispos, cavalos e peões, ouro, cobre, vinho, azeite e pasta de peixe, exércitos e invasões, a peste e notícias de terras distantes, ao lado da memória de uma aldeia submersa e passando pelo casario de outra bem alta, quase no céu; e se nessa corrida pudesses observar a cada metro a paisagem onde desfilassem florestas de pinheiros nórdicos, de carvalhos e abetos, choupos e salgueiros, de medronheiros de frutos maduros ou então pela floresta de formas de granito encastelado nas mais bizarras posições e equilíbrios, onde teimasses em ver animais, caras e construções; e se te fosse permitido, no final dessa corrida seres recebido pelo mais completo ultra-maratonista do mundo... Que formidável seria essa corrida!



Roberto Laranjeira

      ( Arqueólogo)

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